O ápice da Lei n˚11.343/2006 é o papel do usuário de drogas, que deixa de ser visto pelo uma ângulo do sistema proibicionista, o que tornava-se mais importante às drogas do que o motivo e as causas do seu consumo e dependência.
Conforme César Roberto Bittencourt assevera que ao longo dos vinte e seis anos de vigência da lei acompanhou-se a modificação da visão proibicionista para uma política abolicionista, impulsionada pela falência da pena privativa de liberdade, relativamente aos delitos relacionados com o uso de entorpecentes. (BITTENCOURT)
O extraordinário jurista LUIZ FLÁVIO GOMES diferencia usuário de drogas de traficante:
Para fins penais, entende-se por usuário de drogas (doravante) quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, qualquer tipo de droga proibida (cf. artigo 28, que será comentado logo abaixo). O usuário não se confunde, de modo algum, com o traficante, financiador do tráfico, etc. Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente (artigo 28, § 2º). (GOMES, 2006).
Tendo em vista que os problemas de uso de drogas trazem inúmeros danos à sociedade, muito se tem estudado sobre os meios para sanear esse problema. Exemplo disso foi o fórum de discussão sobre a pesquisa situando o uso de drogas nos municípios de Pernambuco, realizado nos dias 28 e 29 de novembro de 2001, em Pernambuco, resultado de uma parceria entre a Secretaria Nacional Antidrogas do Ministério da Justiça e o Movimento Tortura Nunca Mais, que, com o objetivo de articular ações de prevenção do uso de drogas, chegou ao seguinte diagnóstico:
a) Falta de pessoal especializado em larga escala para lidar com a questão das drogas nos municípios;
b) Falta de órgão especializado para tratar a questão de drogas nos municípios;
c) Falta de projetos no nível municipal que trate a questão de drogas em suas variáveis, seja prevenção, repressão, etc.;
d) Falta de definição das áreas de atuação do município na questão das drogas, seja repressão, tratamento, prevenção, diminuição da Oferta etc.;
e) Falta de locais especializados;
f) Ociosidade dos jovens;
g) Falta de informações nas comunidades de como lidar com as drogas;
h) Falta de um mapeamento mais aprofundado sobre usuários de drogas com seus perfis e profissionais especializados para o aprofundamento do problema;
i) Falta de centros especializados descentralizados;
j) Grave problema sócio econômico - desemprego, falta de perspectiva, ociosidade;
k) Ações fragmentadas e desarticuladas nas instituições, impedindo inclusive maior clareza da origem das ações;
l) Ausência de ações efetivas de como lidar com a questão das drogas na comunidade;
m) Insuficiência de recursos financeiros;
n) A constatação da existência de contradição entre o discurso e a prática no que se refere ao cumprimento das leis pela sociedade.
De acordo com CLOVIS ALBERTO VOLPE FILHO, a respeito da posse de drogas para consumo:
[...] é crime a posse de drogas para consumo pessoal. A mudança diz respeito à espécie da pena, que deixou de ser privativa de liberdade. Claro que se trata de um avanço para que o tema passe a ser tratado somente como questão de saúde pública, incidindo sobre ele as normas de caráter administrativo. (VOLPE FILHO, 2006).
A evolução do ordenamento jurídico, em relação a um conceito alternativo em não apresentar uma sanção penal para o usuário, traduz o primeiro passo ao caminho da reeducação e reinserção do consumidor de drogas, que não mais sofrerá com a estigmatização social ocasionada pelo sistema de encarceramento.
O sistema prisional, não resolverá em nada o problema do usuário, haja vista, que continuará necessitando da substância, o que se busca é uma política de tratamento terapêutico para consumidor de drogas.
O posicionamento do jurista LUIZ FLÁVIO GOMES, frente à postura adotada pela legislação penal brasileira com relação ao usuário de drogas é:
A legislação penal brasileira, tradicionalmente, sempre tratou o simples usuário de droga como criminoso (quando o certo seria enfocá-lo algumas vezes como vítima - usuário dependente, que carece de atenção e tratamento —, outras vezes como simples cidadão que num determinado momento optou dentro do seu livre arbítrio por fazer uso momentâneo de uma substância entorpecente, sem prejudicar terceiros — usuário ocasional). (GOMES, 2006).
Desta forma GUSTAVO KENNER ALCÂNTARA, argumenta a respeito das mudanças da lei antidrogas em relação aos crimes sobre substâncias ilícitas:
O usuário e dependente de drogas assumem uma posição privilegiada em relação ao texto legal anterior, em contrapartida o tráfico e a produção recebem uma incriminação mais severa. [...]
A intenção legislativa é clara: Retirar o “mito da demonização” do usuário. Ou seja, assume legalmente a posição de vítima direta das drogas, sem o tradicional traço de vilão social. Assim o Estado deve promover medidas pra ressocialização de dependentes, ao invés de privar ainda mais da possibilidade de integrar de forma legítima no seio social. [...]
É devido a essa exposição que nos parece admirável e importante a idéia geral presente nesta nova ordem normativa. Poupando os usuários dependentes de penas privativas de liberdade, não significando, contudo, que é legalizado o uso ou a posse de substância entorpecente. Enquanto pune mais severamente o real ameaçador da defesa e da saúde social, o próprio traficante. (ALCÂNTARA, 2006).
Assim, com a nova lei de tóxicos, de modo algum será imposta pena de prisão ao usuário de drogas, somente as medidas alternativas elencadas no artigo 28 da lei em comento. (GOMES, 2006).
Ainda, ROGER SPODE BRUTTI, acerca do usuário destaca-se:
Consoante o artigo 28 da LEI nº. 11. 343/06, a restrição da liberdade ao usuário não encontra qualquer respaldo legal. Com efeito, quem adquirir guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, substâncias estupefacientes sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido, tão-somente, à advertência sobre os efeitos das drogas, à prestação de serviços à comunidade e à medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. [...]
Mesmo descumprindo as medidas cominadas, o usuário, ainda assim, livre está de repressão à sua liberdade, ocasião em que lhe poderão ser submetidas, tão-somente e sucessivamente, admoestação verbal e multa (Artigo 28, §6º). [...]
Não mais é permitido à Autoridade Policial proceder à prisão daquele que oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, à pessoa de seu relacionamento, a fim de juntos consumirem-na, isso se houver o comprometimento por parte de referido autor em comparecer à audiência aprazada nos Juizados Especiais Criminais. (BRUTTI, 2006).
Diante disso, o doutrinador esclarece que o Direito Penal não tem apenas a finalidade punitiva, mas, de prevenção, assim entende-se que:
Não há justificativas ressocializantes em um mandado de prisão a um usuário, o aspecto abordado é meramente punitivista. Principalmente porque não há dano a nenhum bem jurídico alheio, assim, não pode ser considerado perigoso simplesmente pelo fato de ser usuário de determinada substância ilícita. Sendo assim, o foco do Estado vai ser exatamente em reaver o indivíduo de forma que, evite a repetição do ilícito. A prisão deste cidadão não vai, de forma alguma, beneficiar a sociedade, tampouco o delinqüente. (ALCÂNTARA, 2006).
FERNANDO CAPEZ, assegura a respeito da descriminalização do uso de drogas:
[...] não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e as pena (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do artigo 48, § 1º, da nova Lei). A Lei de Introdução ao Código Penal está ultrapassada nesse aspecto e não pode ditar os parâmetros para a nova tipificação legal do século XXI. (CAPEZ, 2006).
Em relação ao usuário e/ou dependente de drogas, a nova lei de tóxicos não mais prevê a pena de prisão. A posse de droga para consumo pessoal deixou de ser crime. Todavia, a conduta descrita continua sendo ilícita (uma infração, mas sem natureza penal). Isso significa que houve tão-somente a descriminalização , e não a legalização. (GOMES, 2006).
Entretanto, para os nobres doutrinadores Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi:
A conduta de trazer consigo ou adquirir para uso pessoal. É indispensável uma observação preliminar e de suma importância. A Lei NÃO DESCRIMINALIZOU NEM DESPENALIZOU conduta de trazer consigo ou adquirir para uso pessoal nem a transformou em contravenção. Houve alterações, abrandamento, mas conduta continua incriminada. A observação é feita somente porque houve divulgação de opinião que a lei teria discriminalizado ou despenalizado a conduta com esse argumento, mas que, a data venia, não tem consitência jurídica. (grifo original).
Relativamente às normas de caráter administrativo aplicáveis ao usuário de drogas, a primeira pena estipulada pelo legislador é de advertência. Todavia cabe salientar que a advertência não tem natureza de sanção penal. Dessa forma, o juiz, ao sentenciar, não poderá atribuir como pena a advertência, pois essa, devido à sua natureza, que foge das raias do Direito Penal, somente pode ser objeto de transação. (GRECO FILHO; RASSI).
E como salienta o nobre doutrinador CLOVIS ALBERTO VOLPE FILHO, Não possui tal natureza em virtude de três principais fatores:
a) A advertência não preenche nem com conta-gotas as características da pena, que são retribuição e prevenção, tendo em vista a teoria da união, que parte da idéia da retribuição como base, acrescentando os fins preventivos e gerais. Essa pena não intimida o cidadão a não consumir drogas, nem mesmo assume feição de retribuição, sendo completamente inócua.
b) A pena de advertência banaliza o Direito Penal, ferindo por completo os princípios da fragmentariedade e subsidiariedade. Permitindo uma pena dessa natureza dentro do Direito Penal, é igualá-lo aos demais ramos, causando descrédito perante a sociedade, que não mais temerá as sanções penais.
c) Por fim, a advertência não guarda relação com nenhuma pena do inc. XLVI, art. 5º, da Constituição Federal. Essa norma deve ser usada como parâmetro para que o legislador comine pena alternativa de modo direto a determinada infração penal. Assim, o máximo da pena de natureza penal prevista no Texto Maior é a privação ou restrição da liberdade, enquanto o mínimo é a prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. A pena de advertência não encontra relação alguma com essa norma, se situando muito aquém a prestação social alternativa. (VOLPE FILHO, 2006).
Diante disso, o ilustre jurista, LUIZ FLÁVIO GOMES, dispõe que:
O fato descriminalizado (que é retirado do âmbito do direito penal) pode deixar de constituir um ilícito penal, mas continuar sendo sancionado administrativamente ou com sanção de outra natureza.
A nova lei de tóxicos, no artigo 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de "infração penal" porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração "penal" no nosso país.
O caminho da descriminalização adotado agora pelo legislador brasileiro, de modo firme e resoluto, constitui o ponto culminante de uma opção político-criminal minimalista (que se caracteriza pela mínima intervenção do direito penal). (GOMES, 2006).
Ainda, GUSTAVO KENNER ALCÂNTARA dispõe que, “aquele produtor que tiver como fim somente o consumo pessoal da droga será punido conforme usuário.” (ALCÂNTARA, 2006).
Visto pelo mesmo ângulo preceitua FERNANDO CAPEZ:
A LEI nº. 11.343/2006 trouxe uma grande inovação legal. Passou a incriminar a conduta de semear, cultivar ou colher, para consumo pessoal, plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (CAPEZ, 2006).
Em relação ao tráfico de drogas, a nova legislação equipara aos crimes hediondos, aliás, recebe o mesmo tratamento rigoroso, que estabelece ser crime inafiançável e insuscetível de liberdade provisória.
Quanto ao envolvimento com fins distintos de consumo pessoal, a lei aparece como norma incriminadora. Assim, mesmo que sem fins lucrativos, o envolvimento é mais duramente penalizado do que o uso. (ALCÂNTARA, 2006).
Conforme, SÉRGIO RONALDO SACE BAUTZER DO SANTOS FILHO, em relação ao tráfico de drogas tem-se:
No que concerne aos crimes de tráfico de drogas, o artigo 44 da LEI nº. 11.343/06 veda de maneira expressa a concessão de liberdade provisória sem fixação de fiança aos delitos em comento.
O STF, em manifestações recentes, tem suscitado que a redação conferida ao artigo 2º, II, da LEI n.º8.072/90, pela LEI n.º11.464/07, NÃO PREPONDERA sobre o disposto no artigo 44, da LEI n.º11343/06, que proíbe, EXPRESSAMENTE, a concessão de liberdade provisória em se tratando de tráfico de drogas – HC 92495/PE: Informativo 508.
No HC 94916/RS: Informativo 522 – o Ilustre Min. Eros Grau enfatiza a excepcionalidade da liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas. (SANTOS FILHO) (grifos do original).
A atual ordem normativa nos mostra sua face mais severa quando se trata dos verdadeiros chefes da organização de drogas. O que percebemos é que o poder legislativo compreendeu que deveria combater o problema no topo. Não adiantava mais punir os usuários e dependentes com pena privativa de liberdade para que tivessem mais contato ainda com o mundo ilícito. Decidiu-se, então, punir severamente os financiadores, produtores, vendedores, etc., pois esses são os verdadeiros criminosos. Aproveitando-se de momentos de fraqueza para enriquecer. (ALCÂNTARA, 2006).
Assim, pode-se dizer que, o Estado Democrático de Direito aparece como figura ressocializadora, e ao mesmo tempo como figura punitiva daqueles causadores de graves problemas sérios. Assim como a Constituição, a lei prevê que o tráfico de entorpecentes e drogas afins é considerado inafiançável e insuscetível de graça. Mais uma demonstração de como a República Federativa do Brasil se mostra como defensora da luta contra as drogas, longe de se parecer um país a caminho da liberalização ou descriminalização. (ALCÂNTARA, 2006).
O demonstra é que tanto a lei nova quanto a anterior teve uma enorme dificuldade em relação quanto à determinação da destinação da droga, mas, por outro lado é inegável que houve um grande avanço na nova lei de tóxico no que se refere ao tratamento diferenciado entre o consumidor de drogas e o traficante.
E possível chegar nitidamente a essa conclusão quando se estuda as últimas jurisprudências.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I - admoestação verbal; II - multa. § 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Descriminalizar significa retirar de algumas condutas o caráter de criminosas. O fato descrito na lei penal (como infração penal) deixa de ser crime (ou seja: deixa de ser infração penal). Há duas espécies de descriminalização: (a) a que retira o caráter de ilícito penal da conduta, mas não a legaliza e (b) a que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8790. Acesso em 24 mar. 2009.